terça-feira, 3 de julho de 2007

Pessoas andam com mania de depressão



A tristeza foi promovida a depressão. Muitos médicos, hoje em dia, confundem diagnósticos e, sem cerimônias, o paciente logo entra para a lista de clientes da farmácia. Por outro lado, a prevalência da doença vem aumentando. Multicausal, a depressão sofre a influência de fatores ambientais, como as dificuldades financeiras, os conflitos interpessoais e o estresse. Mais turbulentos e comuns nos tempos modernos, esses agentes têm grande peso no desenvolvimento da doença.


Não é qualquer pessoa que tem depressão - um dos principais problemas do humor, ao lado do transtorno bipolar e da distimia. Os fatores ambientais agem com mais peso em pessoas que apresentam predisposição ao problema, que é genético. Também não é qualquer pessoa que deve dar ao paciente a notícia de que ele tem depressão ou outro transtorno de humor. "Há uma banalização do diagnóstico de depressão e de bipolaridade. É algo complexo, que exige conhecimento de psicopatologia e só o psiquiatra está habilitado a reconhecer os transtornos mentais", diz o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


A economista Janaína Medeiros, de 25 anos, chegou a comprar o medicamento receitado pelo clínico-geral quando foi diagnosticada como depressiva. Mas, por medo de ficar viciada na substância, não iniciou o tratamento. Alguns testes depois, descobriu que estava com anemia. "A depressão, na verdade, era cansaço. Trabalhava 12 horas por dia e estava sempre ranzinza. Na verdade, sou assim", brinca a economista. "A questão foi me perguntar o quanto isso incomodava a mim e aos outros", diz Janaína.


Taxada - em um passado não distante - como "doença de rico", a depressão permanece subdiagnosticada e subtratada entre os que não têm acesso aos serviços de saúde. "A 'moda' existe para os que têm mais acesso à informação e aos planos médicos", diz o psiquiatra Marcelo Feijó de Mello, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Entre as classes mais baixas ou com mais dificuldades, segundo Mello, a prevalência do problema seria até maior, uma vez que os fatores ambientais se mostrariam mais agressivos.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirma a tese do psiquiatra: calcula que 75% dos 121 milhões de deprimidos no mundo nunca receberam tratamento adequado para a doença.


POR QUE SE CONFUNDE? - O termo depressão tem três significados no vocabulário médico. Ao mesmo tempo em que descreve uma alteração de humor (tristeza), pode retratar um transtorno psíquico específico (episódio depressivo) ou, até mesmo, um sintoma de outra doença. Segundo Nardi, da UFRJ, vem daí a confusão que cerca a palavra.


O especialista acredita que o destaque, hoje em dia, não vai para a depressão, mas para a bipolaridade - uma vez que todo mundo tem fases de tristeza e animação. Apesar dos erros e exageros, ele acha que a psiquiatria já passou por outras modas. "Todo mundo já foi neurótico e depressivo. Mas o transtorno bipolar é uma doença específica, bem diferente das alterações normais do humor, da tristeza e da alegria", explica.



As diferenças entre um e outro distúrbio de humor são muito sutis. A depressão, por exemplo, é uma fase do distúrbio bipolar. "Também é muito comum uma pessoa melhorar da depressão e ser confundida como bipolar", diz Nardi. A distimia, que é outro transtorno comum caracterizado pelo mau humor e pela irritação, muitas vezes permanece sem diagnóstico ou só é diagnosticada quando o quadro se complica.



DIAGNÓSTICO - Além de serem mesclados entre si, os distúrbios do humor podem ser confundidos com outros problemas de saúde, como anemia ou hipotireoidismo. "Um leigo pode suspeitar, mas só o psiquiatra pode avaliar essa diferença", diz Nardi.


Já Mello, da Unifesp, acha que os cerca de 13 milhões de depressivos no Brasil não poderão ser atendidos pelos 6.000 psiquiatras em atividades no País. "Eu não acho que o tratamento da doença deve, necessariamente, ser feito por um psiquiatra. Médicos de outras especialidades é que precisariam aprofundar os conhecimentos sobre a depressão", considera o especialista.



Por enquanto, o prognóstico não é nada bom. Uma pesquisa coordenada pela Federação Mundial para Saúde Mental, com apoio de dois laboratórios farmacêuticos, constatou que só um terço dos clínicos gerais acha que a faculdade ofereceu preparo suficiente para o diagnóstico da depressão.



Detectar a doença não é fácil. Além do exame médico e de testes laboratoriais, a pessoa não pode estar passando por um momento que legitime uma alteração de humor.

A depressão também pode ser conseqüência de um quadro orgânico. A dona de casa Antonina Brito, de 58 anos, começou a apresentar a sintomatologia de depressão algum tempo depois de entrar no climatério.


Mais ou menos na mesma época, uma irmã da dona de casa foi diagnosticada como depressiva. Foi o que bastou para o filho de Antonina dizer que a doença tinha virado moda na família. "Ele diz que eu sou hipocondríaca", desabafa Antonina.


CURA GARANTIDA - Se, por um lado, muita gente promove a simples tristeza a depressão, médicos são otimistas em relação aos tratamentos. Eles chegam, até mesmo, a falar em cura para o transtorno psíquico. "O indivíduo que se sente freqüentemente deprimido pode procurar ajuda e mudar o seu humor, recuperando-se totalmente", diz Nardi.


BOXE


COMO SE DIAGNOSTICA?


Identificar a depressão não é uma tarefa fácil, mesmo para quem se especializa em fazer o diagnóstico do transtorno psíquico. Segundo o psiquiatra Marcelo de Mello, da Unifesp, é preciso que a doença seja observada na hora certa. De nada adianta, por exemplo, observar a depressão em alguém que acabou de perder um amigo querido. Se a pessoa nota que está diferente do habitual, deve procurar um psiquiatra. É ele que irá avaliar se ela apresenta pelo menos cinco dos sintomas relacionados à depressão. São eles: humor depressivo, falta de prazer na realização das atividades, cansaço persistente, alteração do sono e do apetite (para mais ou para menos), alteração da concentração ou memória, dificuldade em tomar decisões e problemas cognitivos, como auto-estima baixa, pessimismo, falta de perspectivas para o futuro, idéias de morte e de suicídio. Os sintomas devem ter permanecido por mais de duas semanas.


BOXE 2


MAU HUMOR CRÔNICO


Mau humor constante não é só "um jeito de ser". É um problema que tem nome e tratamento. A distimia pode ser descrita como uma depressão crônica, de no mínimo dois anos duração, com sintomas mais brandos. Além da rabugice, os sintomas incluem irritação, desinteresse, falta de prazer na realização de trabalhos cotidianos, mania de criticar e culpar os outros. Em grande parte dos casos, são pessoas perfeccionistas e sem muita tolerância para as mancadas dos outros. O tratamento inclui antidepressivos, sessões de terapia - a cognitivo comportamental é a mais indicada, uma vez que eles terão de aprender a ver a vida mais colorida - e mudanças nos hábitos de vida. Segundo o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, da UFRJ, muitas vezes a distimia não é identificada ou só é diagnosticada quando o quadro complica para uma depressão plena.


Por Lola Felix

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